segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

História: A castora Aurora

Sou uma castora, me chamo Aurora, tenho oito anos e tenho certeza de que irei trabalhar com mordidas em madeira quando crescer: o meu pai é marceneiro; minha mãe faz brinquedos artesanais de madeira; meu tio trabalha com molduras de madeira para quadros; o filho dele é perito em instrumentos musicais feitos com madeira de lei e; a minha tia tem uma fábrica que só faz quebra-cabeças com madeira também.
Desde que eu nasci ouço histórias dos meus antecedentes castores que ajudaram  – com as suas mordidas e dentes fortes – a fazerem a Arca de Noé, a Távola Redonda, o Cavalo de Tróia, a Caixa de Pandora, a Caixa Mágica de serrar pessoas ao meio, a primeira casa pré-fabricada de madeira, a moldura da Mona Lisa e o primeiro dique de que se têm notícias.
Não usamos serrotes, serras elétricas, lixadeiras, tornos, furadeiras, entalhadeiras e nem plaina: fazemos tudo no dente e é assim que gostamos de trabalhar.
Meu pai diz que só nós – os castores – temos o poder de perceber e apreciar a tonalidade, a textura e o cheiro, únicos de cada tipo de madeira. E para tanto, temos que agarrá-las, mordê-las e roê-las: é desse jeito que as transformamos em peças maravilhosas.
Adoro os meus dentes de castora: eles são grandes, fortes e tenho muito orgulho de ser uma dentuça.
Porém, quando estava roendo um cedro, um dia desses, meu dente doeu e eu não consegui terminar a escultura que estava fazendo.
Minha mãe falou que a dor ia passar, mas o tempo passou e a dor continuou.
Pensei que talvez eu tivesse dentes de leite – como os meninos e as meninas ­– e que esse fosse ficar mole, cair e depois no lugar cresceria um novinho em folha.
Escrevi para a Fada dos Dentes para confirmar, mas ela me respondeu que infelizmente só atendia humanos e nunca tinha ouvido falar de uma castora sem dentes. No seu estoque não haviam dentes para castores.
Fui ao dentista e depois de me examinar com a boca aberta, fechada e dente por dente, ele me deu a notícia de que eu seria a primeira castora – da família e da história dos castores – a usar um aparelho: meu dente estava desalinhado e, por isso começou a doer.
Naquele dia fiquei muito triste: não poderia mais roer e nem morder nada duro, até tirar o aparelho dentro de seis meses. O que eu faria agora?
Mas, por outro lado fiz o maior sucesso na família, na vizinhança e na escola: nunca haviam visto uma castora com aparelho nos dentes e todos queriam tirar fotos comigo pra postar nas redes sociais.
Foi legal. Comecei até a gostar do tal aparelho.
Mas continuava triste, parecia que faltava algo.
Todos os meus amigos, vizinhos, colegas e familiares foram muito gentis e amáveis: me encheram de favores, mimos, mensagens de melhoras e guloseimas. Foi daí que eu percebi como era grande a nossa família.
Estava acostumada só com os primos, tios e avós, mas descobri que tínhamos parentes em outras cidades, estados e até países.
 

Não saía mais da Internet e ficava horas de bate papo no Facebook e no MSN. Cada dia conhecia um parente novo e ficava encantada com a história de cada um.
Um mais maluco que o outro: tinha um primo japonês que morava no Zoológico de Tóquio e era especialista em fazer hashis (pauzinhos de madeira que são usados pelos japoneses para comer, ao invés da faca e garfo a que estamos acostumados); outro baiano que só gosta de roer Pau Brasil; um do Xingu que queria fazer diques no rio Amazonas; o da África que se especializou em lanças para as tribos locais e o dos Estados Unidos que fazia tótens para os índios de lá.
Tinha castor de tudo quanto era jeito e que roíam tudo quanto era tipo de madeira. Mas, só madeiras!
A história da nossa família era demais e eu queria fazer parte dela também.
Já que eu não podia roer madeira, resolvi então que faria parte dela roendo tudo quanto é tipo de material, menos madeira. Dá pra ser mais original do que isso? Uma castora que não rói madeira!
E desse dia em diante passei a morder tudo o que encontrava pela frente:

• ferro (não gostei porque é muito duro quando está frio e, muito quente quando amolece);
• gelo (gelado demais);
• tijolo (esfarela na boca)

Estava difícil substituir a madeira. Até que um dia passando em frente ao supermercado vi as latas de lixo recicláveis com uma porção de embalagens vazias. Não custava nada experimentar e dei uma mordida numa garrafa PET, depois numa bandeja de Isopor e uma roidinha em algumas caixinhas de papelão.
E, não é que eu gostei? E, o melhor de tudo: não doía o meu dente porque era tudo muito molinho.
Mas, o que fazer com tanto material assim?
Minha mãe – que é uma artesã supertalentosa – me ajudou e adaptamos tudo o que ela faz com madeira, para os meus materiais alternativos.
Já tenho até um blog, viu?
Quem diria, não é mesmo: eu que jurava que iria roer madeira até morrer estou roendo e reaproveitando material descartável e até ajudando na defesa do meio ambiente!
Faço de tudo, desde brinquedos individuais até jogos coletivos. Vejam alguns deles e faça-os você também!

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