domingo, 3 de janeiro de 2016

História: O Dragão e a Borboleta

Vou ser monge!
Hoje é o meu primeiro dia de aula com o Mestre Borboleta. Estou indo para a montanha onde ele mora com todos os seus discípulos.
O Mestre é muito velhinho, cheio de sabedoria e ensina tudo o que sabe aos mais novos como eu. E, não vejo a hora de começar a estudar, conhecer meus colegas, fazer novos amigos e virar monge logo.
Eu sou o primeiro dragão a ser aceito no mosteiro do Mestre Borboleta. Até hoje, só aceitavam bichinhos pequenos como lagartas, borboletas, aranhas e outros insetinhos. Mas, eu tenho dez anos, me chamo Nero, tenho dois metros de altura, peso 100 quilos e estou super-feliz por estudar com o Mestre.
Já pensei em tudo o que vou fazer quando chegar lá:

• darei uma baforada na caixa d’água e deixarei o ofurô de todos bem quentinho;
• nas noites de festa, vou comer batata-doce com repolho, bater na barriga e soltar fogos de artifício por trás;
• baterei as asas bem rápido pra ventilar os aposentos nas tardes de verão;
• o meu pescoço comprido vai servir de escorregador para os discípulos pularem no lago das carpas e os velhinhos não precisarão mais se cansar andando pelas alamedas e jardins do mosteiro, pois eu os levarei de garupa de um lado pro outro;
• vou assar e grelhar os pratos do almoço e do jantar.

Vou ser um sucesso!
Pra descontrair e quebrar o gelo vou chegar arrasando: treinei bastante e entrarei ao som de música eletrônica e passos de hip hop.
Putz, mas não contava com uma construção tão frágil. Tudo é tão delicado, que quando cheguei ao portão, o mosteiro todo já tinha caído. Portas, janelas, paredes e telhado: tudo no chão.
Foi um corre-corre danado: gente saindo de tudo quanto era lugar e fugindo pra tudo quanto era lado. Demorou pra perceberem que eu havia chegado e os mais velhos até pensaram que estavam sendo atacados ou que se tratava de um terremoto.
O Mestre Borboleta chegou, esclareceu o mal-entendido, todos se acalmaram mas não conseguiram esconder o mal-humor por terem que reconstruir todo o mosteiro novamente.
Fiquei com a fama de dragão estabanado que só dava trabalho e trazia confusão. E, a partir daí, as coisas só pioraram: as criancinhas choravam quando me viam e eu descobri que não ganharia nunca a eleição do mais popular se houvesse uma.
Não foi exatamente o que eu esperava para o primeiro dia de aula, pois todos me evitavam e as tentativas de me dar bem em qualquer matéria, também não estava dando muito certo: as aulas de origami pegaram fogo – literalmente – quando me pediram pra soprar o balão que o Mestre ensinou; e nas aulas de levitação e ioga, assustei todo mundo quando relaxei tanto, dormi e não consegui segurar nem o ronco e muito menos o tombo.
As aulas de culinária não foram diferentes: fazia sashimi numa boa, mas era só abrir a boca pra tostar, grelhar ou cozinhar qualquer coisa que devia ser crua. Nunca dava certo. Foi frustrante.
Mas teve um dia – na aula de jardinagem – em que estávamos cultivando bonsais e criando ikebanas e eu com as minhas unhas e dentes afiados de dragão, ia cortando e esculpindo arranjos e dando formas às árvores com uma facilidade incrível e, todos começaram a pedir que eu os ajudasse. Me animei, tomei gosto e fiquei descuidado: não olhei onde pisei e dei meia-volta muito rápido para atender a todos os chamados e assim, o meu rabo bateu na mesa de arranjos, as ferramentas que estavam ali foram lançadas contra a torre do relógio e ela caiu em cima da ponte do arco-íris que passava em cima do lago das hortênsias. Na pressa de consertar as coisas, coloquei o telhado da torre em cima da ponte, ergui um observatório no lugar do lago e coloquei uma passarela na sala de chá.
Quando terminei, estava tudo diferente e o mosteiro nem parecia o mesmo. Fechei os olhos e esperei a maior bronca, mas – para minha surpresa –, todos aplaudiram as minhas mudanças! Eles haviam adorado!
Acho que ninguém aguentava mais viver naquele mosteiro milenar sempre e sempre igual, há milhares e milhares de anos.
Fui tão cumprimentado nesse dia, que não resisti e pulei de alegria. Aí, o pavilhão do tai-chi-chuan – que ficava atrás –, não resistiu e caiu!
Antes que alguém pudesse reclamar e voltar a implicar comigo, o Mestre Borboleta pegou um tijolo, jogou para mim e disse:
­­— Vamos reformar esse pavilhão que já está muito pequeno e fora de moda!
Todos gostaram tanto da ideia de reformar tudo, que foram me dando sugestões uma atrás da outra: primeiro queriam um puxadinho ao lado de cada dormitório pra terem uma banheira de hidromassagem no lugar do ofurô; ar-condicionado e calefação em todos os quartos; esteiras e escadas rolantes; janelas anti-ruídos e vidros fumês; novos estilos de torres, muros, telhados e desenhos nos arbustos.
Todos queriam um castelo mais moderno. Queriam que tudo fosse remodelado.
O Mestre Borboleta – que não esperava tantas mudanças de uma só vez, pois era o único que ainda gostava de uma tradição milenar – já não sabia onde estaria o seu quarto no dia seguinte, se na ala norte ou na sul, e nem onde seriam feitos a meditação e o ritual do chá de todas as manhãs.
 

O mosteiro e os monges estavam irreconhecíveis.
Mas – pra preservar um pouquinho da história e deixar o Mestre mais feliz –, tombaram como Patrimônio da Humanidade a ala oeste do mosteiro – a do sol poente –, e por isso não podemos mexer ali e, o Mestre Borboleta já se mudou para lá.
O melhor de tudo é que não preciso mais me preocupar se os outros gostam – ou não – de mim, pois tenho certeza de que agora, já aceitam o meu jeito dragão de ser.
Eu descobri, também, o que vim estudar no mosteiro: arquitetura!
Acho que não levo jeito pra monge, mas sem dúvidas levo jeito para demolições e construções.
E a história não termina por aqui, agora que pedimos delivery (além da tradicional cozinha japonesa), e somos fãs de um supermercado todo fim-de-semana, sobra muita embalagem reaproveitável no mosteiro e então, usamos todo esse excesso de material descartável pra fazer maquetes antes de reformar!
Já temos até um Teatro e fazemos vários fantoches, dedoches e marionetes também.

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